quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Análise do poema “Quebranto”


Análise do poema “Quebranto”
Autor: Cuti
Obra: Cadernos Negros Os Melhores Poemas



      Quebranto” é um poema forte que traduz toda a questão da discriminação racial no país, o autor se utiliza de uma construção poética inesperada e surpreende o leitor, à medida que, expõe a realidade do cotidiano negro, por meio de sua própria fala, o poema mostra o olhar da sociedade de brancos sobre os negros.
     Assim, o poema denuncia a força do preconceito velado na sociedade brasileira, que a qualquer momento pode explodir e em qualquer ambiente (como se vê agora em estádios de futebol), onde tenha brancos ou negros também, por isso, a expressão “às vezes” que percorre e finaliza o poema. O autor revela ainda que, a ideologia dominante prega que a discriminação racial é na verdade culpa do próprio negro, e não daquele que discrimina, a ponto do negro negar sua condição e não conseguir sentir orgulho de si mesmo, nem diante do espelho. O título do poema ‘“Quebranto”, já avisa o leitor sobre a condição de abatimento, enfraquecimento, prostração, mau olhado, que recai sobre o povo negro.
        O poema “ Quebranto” faz uma crítica ao racismo e mostra que o discurso racista já foi assimilado pelo próprio negro. Este já não consegue reconhecer o seu valor como ser humano:
     “ Às vezes faço questão de não me ver
      e entupido com a visão deles
      me sinto a miséria concebida como um eterno começo”

       O poema revela o sentimento de um ser desvalorizado e impossibilitado de enxergar qualquer virtude em si mesmo , um ser incapaz de exaltar os valores de sua raça. O máximo que consegue é fazer uma denúncia da opressão social que vivencia naquele momento:
       “Fecho-me o cerco
     Sendo o gesto que me nego
     A pinga que me bebo e me embebo
     O dedo que me aponto
     E denuncio
     O ponto em que me entrego.”

      Observa que o sujeito poético internaliza as imagens depreciativas e além de oprimido revela-se como o próprio opressor . Referindo –se sobre a censura introjetada, Cuti destaca que “ O sistema repressor passa a contar com a própra energia do oprimido, que age contra si mesmo.” ( , Literatura negro-brasileira, Cuti, 2010, p.58) :

      “às vezes sou o policial que me suspeito
      Me peço documentos
      E mesmo de posse deles
      Me prendo
      e me dou porrada”




Quebranto 

às vezes sou o policial que me suspeito
me peço documentos
e mesmo de posse deles
me prendo
e me dou porrada

às vezes sou o porteiro
não me deixando entrar em mim mesmo
a não ser
pela porta de serviço

às vezes sou o meu próprio delito
o corpo de jurados
a punição que vem com o veredicto

às vezes sou o amor que me viro o rosto
o quebranto
o encosto
a solidão primitiva
que me envolvo no vazio

às vezes as migalhas do que sonhei e não comi
outras o bem-te-vi com olhos vidrados
trinando tristezas

um dia fui abolição que me lancei de supetão no
espanto
depois um imperador deposto
a república de conchavos no coração
e em seguida uma constituição
que me promulgo a cada instante

também a violência dum impulso
que me ponho do avesso
com acessos de cal e gesso
chego a ser

às vezes faço questão de não me ver
e entupido com a visão deles
me sinto a miséria concebida como um eterno
começo

fecho-me o cerco
sendo o gesto que me nego
a pinga que me bebo e me embebedo
o dedo que me aponto
e denuncio
o ponto em que me entrego.

às vezes!.. 










4 comentários:

  1. Eis o encanto da poesia: Os poetas nos dão as palavras e construímos o significado. Quem saberá, com certeza, tudo o que um poeta deseja expressar?!

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  2. Parabéns por ensentivar a leitura do livro da vida .

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